Primeiro dia de inverno, primeira folha de algumas bobagens
Não sei se hoje é um bom dia para começar a escrever.
Provavelmente não, tive dias mais interessantes para contar sobre a minha vida,
mas sei lá. Faltava algo para começar a escrever sobre tudo. Não que hoje eu tenha encontrado esse “algo”
mas me deu vontade de começar a anotar algumas coisas. Hoje faz exatamente uma
semana que eu fui assaltada no portão de casa. Levaram meu celular e um pouco
da minha autoconfiança. Provavelmente seria um bom dia para começar a escrever.
Sem falar que nesta mesma noite, um pouco antes disso acontecer eu quase fui
atropelada pelo meu professor de inglês.
Mas hoje, bem, hoje nada aconteceu. Foi um dia normal,
digamos. Na terça feira houve um protesto no centro da minha cidade, acompanhando
a onda de protesto que está havendo em todo o país. E eu fui. E foi lindo. E me
dá vontade de chorar ao lembrar. Não foi lindo pelo fato de estarmos nas ruas
protestando (por isso também) mas sim porque houve alguns momentos dos quais eu
considero infinitos.
Primeiramente, eu saí do meu trabalho, e fui direto para lá.
Já havia um pessoal tomado pelo calor do momento, com muitos cartazes, muitos
fotógrafos e caras pintadas. Alguns curiosos e embalistas ficavam em volta dos
mais empolgados observando e agitando. E eu, invisível, cheguei até lá
acompanhada de um amigo que havia me encontrado na estação. O mesmo amigo que
estava comigo quando fui assaltada no portão de casa.
Nos primeiros momentos foi normal. Tudo normal. Eu estava
andando procurando uma amiga que havia feito curso técnico comigo, e não a
encontrei. Só depois de um bom tempo. E enquanto procurava uma amiga encontrei
outra. Ela me puxou pelo braço, e só então eu percebi que havia passado por ela
e nem tinha visto. Nos abraçamos, conversamos e pronto. Ficamos uma do lado da
outra, conversando, rindo de algumas pessoas, e só. Logo depois subitamente ela
sumiu com o namorado e desde então não a vi mais. Acompanhei a multidão para
dentro da Câmara, e nossa, estava tão abafado lá dentro que o ar parecia mais
denso.
Depois fomos parar as principais vias dessa pequena cidade.
Sentamos no meio do viaduto, e foi aí que eu encontrei a amiga que eu estava
procurando. Ela me abraçou de uma forma tão segura que me bateu uma felicidade
gigante. Foi um momento lindo. Desde então, ficamos de braços ou mãos dadas na
maior parte do tempo do protesto. Foi legal. Logo mais encontrei outros amigos,
todos que já estudaram comigo no técnico e um deles trabalha junto comigo hoje.
Mas diria que o momento infinito da noite foi quando uma pessoa que eu já
admirava me abraçou. Um amigo que temos em comum sabia dessa minha admiração e
então nos apresentou. E foi lindo. E foi infinito. E foi só um momento. Foi um
abraço apertado, aconchegante, um abraço que parecia um pedacinho de cama
quentinha e confortável em uma noite de muito frio com muitos edredons e
travesseiros bem fofos. Foi um abraço que não sei definir, e se eu definir vai
ficar piegas. Mas foi um abraço que me tirou de todos os problemas e me fez
feliz de verdade por 3 segundos. Algo que muito dificilmente acontecerá de
novo.
Até trocamos algumas palavras, mas poucas. Depois disso eu
fiquei meio sem reação a tudo. Fiquei boba, como se tivesse encontrado com o
Bob Esponja na rua. Foi lindo.
E hoje tem protesto de novo. Na verdade até já começou, e eu
não tinha planejado ir hoje porque nas sextas pela noite eu tenho curso de
Cinema. Não faculdade, mas uma oficina. Uma Oficina de Cinema. Nos sábados eu
também tenho. Mas hoje não teve. E amanhã também não vai ter. Motivo? Protestos
aparentemente violentos pelas redondezas.
Na hora em que fiquei sabendo que não haveria curso, comecei
a arquitetar planos mirabolantes para ir a esse novo protesto, mas não deu
certo. Não chegaria a tempo. Agora eu estou em casa, com o meu pai assistindo
pela TV os protestos e minha mãe me chamando para jantar. Não sei se é assim
que se começa um livro, não sei se é assim que as pessoas costumam escrever em
diários, mas eu preciso de alguma forma falar o que eu não tenho coragem. São tantas
coisas. Tantas coisas. Tantas coisas. Pouca delas infinitas. Mas muitas coisas,
ainda mais agora que eu descobri que sou invisível na maior parte do tempo. São
muitas coisas. Acho que estou me tornando uma espécie de Charlie do As
vantagens de ser invisível. Assim como eu conheço uma amiga que é uma espécie
de Amelié Poulain.
Ah, além disso, hoje é o primeiro dia de Inverno. Acho que é um bom dia para começar a escrever alguma coisa. Qualquer coisa. Até uma receita de bolo de fubá. O que é a melhor coisa do mundo no inverno.
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