Impressões sobre Pater, do Teatro da Neura

Do pai que já não era mais pai, nem padre, nem nada. Cavava sua sepultura em um corpo quente de criança inocente e já maculada por aquele que devia proteger e ensinar a rezar pela vida. Mesma vida fria, que de longo tempo vinha escondida, pelos brinquedos, pela dança no meio da sala e da dor que cresce a cada dia naquele canto escuro. Cama pequena, olhos fechados, cortinas encostadas. 
Olha criança, isso passa, tá?
Passa nada.
Debaixo da cama não tem sonhos, não tem monstros, não tem nada. "Debaixo da cama tem arnica".
Ela precisa se lavar. E vai arder e vai sangrar. 
É menina inocente que não sabe se chora quando sente, mas sente toda vez que chora. Deita a cabeça no travesseiro e dorme. A manhã não tarda e essa história para si guarda. Guarda mesmo que do céu não passa.
"Debaixo da cama tem arnica. Se lava."
E ela rezava. 
"Pai nosso que estás no céu."
Não tem pai, não tem céu, não tem nada.
"Santificado seja vosso nome."
Não tem nome, não tem choro. Santificado era aquele pequeno corpo que se afogava em si mesma, escondida atrás de lembranças, atrás do vento que balançava o cabelo e pela luz das velas gastas, escorridas pela madeira velha pintada de rosa igual seu rosto. Rosa. 
Do pai que já não era mais pai, nem padre, nem nada.
Debaixo da cama tem arnica, lembrava. 
"Se lava."




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