Melodrama de boteco

O que é isso?
O que está fazendo?

Estou afogando minhas mágoas num copo largo de cachaça.

Quero esquecer da tua cara por um minuto, por meia hora, 
por sete dias. Me deixa!

Não, acalme-se. 


Me larga. Não toca mais em mim. 

Da última vez que você me fez um estrago muito grande. 
E eu estou tentando reparar agora. 
Me deixa!

Ana, me escuta! 


Eu não quero ouvir sua voz. 

Eu não quero olhar nos seus olhos novamente!

Só escuta. Você não precisa disso.


E eu preciso do que?

Você acha que eu preciso de você alisando minhas mãos 
da forma como fazia e eu pensando... 
E eu pensando que você ia segurá-las, mas não! 
Você as largava e segurava as mãos de outra. 
Me deixa!

Eu segurava as mãos de outra porque não sabia 

que você queria que eu segurasse as suas. 
Nunca foi tão evidente!

E você acha que eu te abraçava daquele jeito porque? 

Só porque era bom? Não! 
Eu te abraçava diferente porque você para mim 
sempre foi diferente. 
Mas não mais!

Ana, eu não sabia!


Sim, sim. Ninguém nunca sabe! Sócatres já dizia: 

"Só sei que nada sei", 
quando na verdade sabia da porra toda. 

Eu não sou Sócrates.


Mas sabia da porra toda, qual a diferença?


A diferença é que eu não sabia que você sempre me amou.


Tá. Legal. Mas e agora? Você está de casamento marcado com outra. 

E eu só estou aqui... Aqui! 
Me deixa.

Não. Eu não vou te deixar.


Me diz, porque você nunca se interessou por mim? 


Ana... Estas perguntas ganharão respostas que você não vai gostar.


Mais amargo do que essa bebida não vai ser. Só me diz. O que foi?


Você é diferente. Eu nunca encontrei uma pessoa como você. 

Você é tão simples, que eu tenho a impressão de que 
se eu assoprar o seu rosto,
você vai se desfazer toda como um dente de leão. E isto é lindo. 
Tão lindo como quando você para tudo o que está fazendo, 
só para escrever. Sabe? 
Aqueles momentos fodidos de inspiração que não dá 
para deixar passar? Então. É lindo. 
E você é linda. 
Mas não me culpe por nunca saber quais eram as suas intenções.

Ah...


E eu não estou dizendo que a culpa é sua. 

Só estou dizendo que enquanto você escrevia milhares de 
linhas de poemas sobre mim, 
outra mulher estava tomando as atitudes. 
E eu me encanto por atitudes.

Eu nunca tive coragem de tomar atitudes. Eu sei disso. 

E você não sabe o quão horrível isso é. 
Você ver a pessoa e ter medo de roubar um beijo ou só 
segurar na mão dela por que deu vontade. 
Sem maldade. Isso é horrível, e eu sempre fui assim.  
Só que eu nunca consegui mudar. 
Eu jurava que viveria aqueles amores bonitinhos, sabe? 
Sem complicações, sem outras pessoas envolvidas nesse rolo. 
Só um nó de nós. Mas não.

Ana, me desculpe!


Não. Você vai casar com outra, como desculpar isso?


Você sabe que não é minha culpa!


Sim, eu sei. Mas que preciso culpar alguém por eu ser tão idiota. 

Então eu culpo você. 

Se você pudesse fazer qualquer coisa agora? O que seria?


Eu te levaria para minha casa. Te deitaria no sofá. 

Deitaria junto com você e ficaria alisando sua barba 
até a minha mão cansar. Só isso.

Não me beijaria?


Eu não tenho atitudes.


Não perguntei o que você tem, perguntei se não me beijaria?


Talvez.


Talvez o que? Você não me ama?


Amo. Mas é um amor diferente.


Você quer casar comigo? Quer que eu abandone minha mulher, 

meus planos, meu tudo por você?

Calma. Não é assim. Não quero casar, mas também não quero que 

case com outra.
Não quero só te beijar. 
Agora, ter minha mão na tua barba é mais importante do que 
ter minha boca na tua boca.

Ana, eu vou embora. Vou começar uma nova vida com uma mulher 

que não é você. 
Eu nunca vou entender o que você sente por mim, 
mas eu vou sempre nomear todos os dentes de leão que eu 
encontrar de Ana!

Pare com isso. 


Não chore. 


Eu não estou chorando por você. Estou chorando de dó 

destes dentes de leão.

Não chore por eles.


Eles estão se afogando em copos largos de bebida.


Deixe se embriagar. Deixe.


Eu quero minha mão na sua barba antes de você partir. Posso?


E não vai me beijar?


Eu só quero um tchau. Você não vai poder beijar os dentes de 

leão por aí. 
Se quiser me beijar eu deixo, mas não é isso o que eu sempre quis.

Ele se aproxima dela. Eles ficam sentindo a respiração 

um do outro com a face colada. 
Ana passa seus dedos por entre o rosto do rapaz. Como ela amava 
isso! 
Aquela suavidade de uma barba mal feita. 
E ele, já indo embora, como quem sem demora, segura suas mãos, 
dá um beijo em sua testa.

Vou me casar Ana, e não vai ser com você. Mas os grandes amores 

são assim mesmo. 
Você me ama e eu não te amo. Mas o que eu sinto por você é além 
disso. Ultrapassa o amor. 
E é por isso que nunca daria certo. 

Ele se afasta, acende um cigarro. Ela senta, dá um gole e ambos se

 olham. Ela diz:

Sim, eu te amo. Mas é um amor diferente. É um amor de não amor. 

E nunca daria certo. 
Eu só queria, te deitar no meu sofá, deitar ao seu lado e passar 
a mão na sua barba. 
Na verdade, eu sou dramática. Então, me deixa! Quero afogar hoje 
as minhas mágoas!

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